Projeto de graça – Paulo E. Q. M. Barreto

Estava revirando meus arquivos quando me deparei com a edição nº 91 de 2005 da revista da Associação de Engenheiros e Arquitetos de São José dos Campos/SP (AEA/SJC), que havia guardado em função de um artigo irônico na forma de um desabafo bem humorado e instrutivo do Arquiteto Rubengil Gonçalves. Este texto é parcialmente reproduzido a seguir para difundir o tema, provocar a reflexão dos leitores e servir de introdução a este artigo.

Faço seu projeto de graça
(…)
Você só precisa pagar o aluguel e condomínio do meu escritório, a conta de luz, a conta de telefone, o salário da minha secretaria, o salário do meu cadista, o meu contador, a minha anuidade do CREA e Inscrição Municipal, a ART do projeto, as cópias, as plotagens, a placa de obra, o IRRF, o ISS, a Cofins, a GPS, a Contribuição Social, os vale-transportes e vale-refeições, as visitas na obra, as reuniões, as idas e vindas dos órgãos públicos, as correções nos desenhos devido às mudanças na obra, a responsabilidade pela execução da obra, enfim, só pague o que de fato é custo do projeto.
O resto, bem, o resto pode deixar que eu pago, o aluguel da minha casa, o IPTU, a prestação do meu carro, a gasolina, o IPVA, as contas de luz, água, telefone e gás, a compra do supermercado, açougue, a feira e a padaria, o convênio médico, a escola dos meus filhos, a farmácia, vestuário, lazer, e outras coisas mais. Não se preocupe não, é tudo particular, eu me viro.
(…)

Em consonância com o artigo transcrito, quando me perguntam quanto eu cobro para emitir uma ART – Anotação de Responsabilidade Técnica, respondo ironicamente que não cobro nada pela emissão, apenas pelo serviço a ser realizado…

Esse questionamento geralmente é feito por pessoas leigas que foram notificadas – geralmente por algum órgão de fiscalização, do Poder Público ou de concessionárias de serviços públicos – a apresentar uma ART de algo referente à engenharia. Como se vê, a informação costuma vir deturpada já na sua origem. Ou seja, em vez de informarem que o interessado precisa contratar um profissional de determinada área (elétrica, civil, mecânica), apenas dizem que precisam de uma ART. O cidadão leigo vai em busca dela sem ter a menor noção do que esse documento representa e das implicações relacionadas à sua emissão. Ele pensa que é um papel comprado em papelaria e que basta o engenheiro assinar. Afinal, qual é o problema de uma simples assinatura?!
Nesses casos, respondo ironicamente que pela emissão da ART não cobro nada. Apenas cobrarei pelo serviço a ser realizado.

Sem dúvida, muitos outros ingredientes ainda podem ser acrescentados à dolorosa e preocupante aritmética exposta no citado artigo. E, conforme o cenário retratado pelo autor, muitos profissionais não percebem as consequências de se renderem aos caprichos do contratante. Talvez nem saibam mais como fazer esse tipo de conta. Podem realmente estar trabalhando de graça ou, pior, pagando para trabalhar, sem saber. Só vão se dar conta muito tempo depois, quando não conseguirem mais sustentar a atividade que exercem ou serem impelidos a viver de expedientes pouco nobres.

Por outro lado, não é uma tarefa fácil definir o valor de um serviço, ainda mais quando existe responsabilidade técnica envolvida, com todas as suas implicações. Quanto isso vale?

Vê-se que são muitas as variáveis envolvidas na composição do preço de um serviço. Algumas são objetivas e outras são subjetivas, difíceis de serem adequadamente quantificadas e, mais ainda, de serem distribuídas (rateadas) pelos prováveis serviços que serão prestados ao longo de um período (em geral, um ano).

Os profissionais que começam a atuar, seja de forma autônoma ou constituindo pequenas empresas, costumam ter muitas dúvidas sobre como definir o valor da remuneração pela prestação de um serviço como projeto, consultoria, assessoria, emissão de parecer técnico e de laudo, acompanhamento de obra, inspeção, perícia, entre tantos outros. Recomenda-se, como primeiro passo, buscar algumas referências, como, por exemplo, a tabela de honorários da associação de engenheiros da sua região.

Apesar de o termo mais usual ser tabela de honorários, esse tipo de referência não se resume a uma simples e única tabela na qual o profissional encontrará de forma direta a resposta para definir o valor do seu serviço. Algumas associações se esmeram em produzir um documento que, além das famosas tabelas, contém uma série de princípios, condições e variáveis que de fato auxiliam o profissional a definir o valor do serviço. Caberá a ele, observar esses detalhes, definir os riscos e os limites do serviço proposto (escopo de trabalho) e aí então estabelecer o valor e demais condições comerciais que comporão a sua proposta de prestação de serviços técnicos.

A publicação “Critérios para fixação dos preços de serviços de Engenharia”, produzida pelo Instituto de Engenharia, em São Paulo, ilustra a preocupação das entidades na elaboração dessas tabelas de honorários. A última edição, datada de 1993, contém cerca de 140 páginas e engloba serviços de engenharia consultiva nas áreas de instalações elétricas, hidráulico-sanitárias, estruturas, mecânica dos solos e fundações, impermeabilização e avaliações e perícias.

Em suma, as tabelas de honorários visam estabelecer parâmetros mínimos de valor pelo trabalho técnico. Porém, nada impede que o profissional opere com valores superiores.

O Código de Ética Profissional, publicado por meio da Resolução nº 1002 do Confea – Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, estabelece no Art. 10, inciso III, alínea “b”, que: “No exercício da profissão, são condutas vedadas ao profissional … apresentar propostas de honorários com valores vis ou extorsivos ou desrespeitando tabelas de honorários mínimos aplicáveis.”

Para dar respaldo às tabelas de honorários produzidas pelas entidades de classe, a Lei Federal nº 5194/66, determina no Art. 34, alínea “r”: “São atribuições dos Conselhos Regionais (…) registrar as tabelas básicas de honorários profissionais elaboradas pelos órgãos de classe.”

O profissional pode iniciar as suas atividades tomando como base os parâmetros indicados na tabela de honorários da associação de engenheiros de sua região e, no decorrer do tempo, apurar as despesas envolvidas na prestação dos serviços, de modo a adequar seus valores, criando a sua própria metodologia de apuração de custos, despesas, lucro e valor.

É importante também ressaltar a enorme diferença que há entre o profissional que presta serviços como autônomo e aquele que possui uma empresa com toda uma infraestrutura, custos e despesas correspondentes, os quais são bem superiores ao primeiro caso.

Outros fatores que geralmente não são considerados nas tabelas de honorários devem ser levados em conta na definição do valor de um serviço, como, o uso de equipamentos, instrumentos e softwares específicos, veículo, grau de risco envolvido, complexidade, despesas financeiras (pagamento realizado após a conclusão do serviço), etc.

É preciso dedicar um bom tempo ao levantamento dos inúmeros fatores que influenciam o valor final de um serviço técnico, bem como contar com um método prático de cálculo que permita ao profissional atualizar valores com o passar do tempo, conforme a necessidade.

Paulo E. Q. M. Barreto
Engenheiro eletricista, VP da Abrasip, consultor e diretor da Barreto Engenharia
www.barreto.eng.br

NOTA: Artigo publicado na revista Eletricidade Moderna em ago/2014. A versão ora apresentada possui pequenas modificações.