O setor de projetos sempre conviveu com o fantasma da futurologia, ou o exercício de tentar antever o futuro na concepção dos sistemas prediais para uma edificação. Uma edificação não pode “nascer velha”: como o projeto e a execução da obra tem um tempo de execução, e as tecnologias mudam muito rapidamente, corremos o risco de deixar de prever alguma infraestrutura, que será fundamental para o usuário, muito comum, ou dispender materiais e serviços para previsões que serão subutilizadas, mais raras mas que acontecem.
Tentar entender essa demanda, nos dias de hoje, para uma melhor concepção do projeto, em termos de custo-benefício, está cada vez mais complexo: seja por que as pessoas estão mudando, seja por que da mesma forma com que surgem novas tecnologias, no mesmo tempo elas são abandonadas, deixam de ser aplicadas. Mirem-se no exemplo das tecnologias para celulares, que não são mais “telefones”, cuja capacidade operacional multiplica exponencialmente a cada segundo, e ganha funções inimagináveis. Não se consegue mais pagar qualquer conta, retirar dinheiro, emitir ou alterar uma passagem aérea, e as vezes, até adentrar em um edifício, sem um aplicativo operando no celular. No lado das mudanças das pessoas, não faz mais sentido imaginar pessoas presas a um endereço físico fixo: estamos temporariamente sediados em algum lugar por determinado tempo, não moramos mais, nem trabalhamos mais, num endereço determinado. Estamos o tempo todo “em trânsito”, mobilidade máxima. Para isso temos que estar conectados, e precisamos de auxilio, de todas as maneiras, para termos acesso a informações pessoais, de trabalho, que não em papel ou em documentos. E o que isso muda nos projetos? Muda muita coisa…querem ver alguns exemplos?
Vamos começar com o fato de que as coisas, agora, falam conosco: através da internet das coisas (Internet of things – IoT) somos informados dos mais diversos alertas ou necessidade de providências. Desde o lado do conforto, como nos informar via celular que falta algo na geladeira, ou que algum produto teve seu prazo de validade vencido dentro dela, até de retorno sobre nossa condição de glicemia no sangue, por conta de nossa alimentação diária e consequente resultado da medição constante do nível de açúcar no sangue, quando capta nossos dados através do dispositivo que antigamente era apenas nosso relógio de pulso. Se considerarmos a Inteligência Artificial (artificial inteligence -AI), onde as máquinas são capacitadas para tomar decisões, e podem customizar sua resposta ao cliente, em função do aprendizado com as operações a que forem sendo expostas, muitas soluções acabam por obrigar providências de projeto. Num hospital, por exemplo, um sistema programado de análise de imagens de câmeras dedicadas a pacientes internados em unidades de tratamento semi-intensivo, pode alertar ao setor de enfermagem que um paciente está tentando se levantar da cama, e portanto correndo risco de acidente, apenas por comparação com banco de dados de movimentos de rotina esperados! Logo, alguns pontos de energia e dados, que não eram previstos no projeto, precisam ser considerados. No caso da área de varejo, através do “machine learning” e “big data” – ou da análise profunda de dados coletados que automatiza a construção de modelos analíticos, acabamos por ter que instalar muitos novos pontos de leitor de códigos de barra e pontos de vídeo e dados, nas áreas de público, onde antes não eram exigidos. Significa que infraestruturas do nosso projeto ajudam coletar os dados que fazem com que computadores reconheçam padrões e aprendam, sem serem programados, a realizar tarefas específicas, num novo patamar de iteratividade. Se estivermos falando de um canteiro de obras, por exemplo, as tarefas mensais de medição das evoluções da execução das instalações prediais, antes executadas pessoalmente pelo engenheiro de obra e o respectivo empreiteiro, andar por andar, área por área, que visam liberar os pagamentos e controle do cronograma, agora já são realizados por drones! Através de complexos sistemas de integração entre câmeras e os projetos desenvolvidos na plataforma BIM, é possível garantir as etapas que se encontram realizadas no campo, de determinada disciplina de execução, semana a semana se necessário, e liberar automaticamente o pagamento da etapa executada. Hoje, os impasses estão ainda na qualidade da mão de obra de execução e a falta de padronização das soluções de suspensão, por exemplo, e com isso, nem sempre é possível liberar as medições apenas através das imagens. Por outro lado, os mesmos drones e câmeras que no resto do tempo vão verificar se os funcionários estão usando todos os EPIs (equipamentos de proteção individual), antes de se dirigirem ao andar onde irão trabalhar, também vão checar se a aplicação de determinado produto ou kit pré-fabricado está coerente com o planejamento da produção. No projeto dos canteiros de obra, áreas de carregamento de baterias, para estes drones, e pontos de CFTV, agora são exigidas, bem como um maior número de pontos para leitura de dados, para os pallets de materiais e equipamentos que serão aplicados em determinada tarefa. Quero dizer, portanto, que estamos habilitando o controle, através destes pontos de imagem e energia previstos no projeto, do fluxo de caixa para a compra dos materiais e ainda checando seu uso em relação ao cronograma de evolução da execução. Muitos destes pontos de energia podem ser os mesmos, em obra, que serão depois utilizados na própria edificação.
Para os sistemas hidráulicos, a necessidade do controle de qualidade e testes das tubulações de agua sob pressão, durante a execução, e da maior eficiência no consumo de energia, durante a operação da vida útil da edificação, tem levado a esmagadora maioria das soluções de projeto a adotar apenas reservatórios de agua inferiores e sistema ascendente de abastecimento, por meio de pressurizadores de alta eficiência. Da mesma maneira, para garantir o uso racional de agua e menor consumo de energia para aquecimento de agua, novos pontos de sensores de temperatura, pressão, de vazão/medição de agua são necessários nos sistemas de recirculação e abastecimento de agua quente, dentro e fora das unidades privativas. Previsões que nascem na concepção do projeto.
Exemplificando mais diretamente nos sistemas elétricos, quando desenvolvemos o projeto de um apartamento ou residência, temos que permitir a interface de todos os eletrodomésticos à rede de dados. Temos que melhorar a qualidade da energia disponível na edificação, em termos de imunidade a descargas atmosféricas, interferência eletromagnética, chaveamentos de equipamentos que produzem oscilação de tensão na rede, e outros. Lembrem-se que praticamente todos os dispositivos eletrônicos contém algum sistema de retificação e conversão para DC, e geram harmônicas. Se considerarmos um escritório comercial, temos que prever capacidades de transmissão de dados de capacidade bem superiores para os pontos de acesso, ou os “wi-fi access point”, capazes de interconectar múltiplos clientes e dispositivos eletrônicos (clusters) simultaneamente, em velocidade e confiabilidade altíssimas, e com potência de apenas 11 W. Esse trânsito paralelo de gigabytes permite, nos raios menores de alcance, dispensar as tomadas para dados ligadas por cabos. E lá se vão muitas das tubulações de infraestrutura, que não precisam mais ser instaladas. Em muitas antenas, nem mesmo ponto de energia precisamos, pois elas são abastecidas pelo próprio cabo de rede (PoE – power over ethernet), reduzindo custos. Nos locais de co-working, o atual modelo de ambientes de trabalho, clientes nossos já solicitam que, a cada 4 estações de trabalho, apenas duas tenham tomadas físicas de dados, pois a esmagadora maioria dos usuários, algo como cada 8 em 10, usa lap-top ou celular ou tablet, ao invés de um desk-top. Sobre as tensões dos aparelhos eletrônicos e eletrodomésticos, praticamente todos são conectáveis em multi-tensão, ou seja, vão operar sem providências adicionais em uma faixa de algo como 100 Volts até 250 Volts. O custo inicial de implantação das instalações cai muito se podemos aplicar a tensão de 380V e usar as tomadas monofásicas em 220V nos projetos. A própria potência necessária para equipamentos eletrônicos nas estações de trabalho caiu, e não há demanda de mais do que 150/180 VA por estação de trabalho sem impressora. Nas áreas comuns, e ai inclusos os halls externos, praças entre edifícios, no interior de elevadores, em coberturas e nos subsolos- que agora agregam serviços muito além de estacionamentos, os sinais para dados precisam estar disponíveis a todos. Há necessidade sim de melhorar a qualidade da energia entregue, então estudos de harmônicas tem que ser realizados após início da operação das edificações. Eventuais sistemas suplementares de filtro podem ser obrigatórios, seja para garantir a correta operação de todos os aparelhos elétricos dentro da edificação, seja para que equipamentos de nosso uso não causem distorções ou impactos na qualidade de energia da rede da concessionaria. Os grupo moto-geradores diesel, de suporte de energia na falta da concessionaria, também precisam estar aptos para lidar com as harmônicas, de 100% da iluminação LED e com a quantidade de dispositivos eletrônicos de uma edificação, atendendo às exigências da norma NBR ABNT 14 664. Nem vamos nos ater a necessidade de um sistema de aterramento adequado, e da preocupação das interligações entre os condutores neutro e proteção (PE – terra), intimamente dependentes desta escolha, para garantir a correta proteção elétrica em casos de sobrecarga e falta, o que implica no dimensionamento diferente das secções de condutores de fase, neutro e PE-terra. Mas não custa lembrar do especial cuidado com a especificação dos DPS – dispositivos de proteção contra surto, o que nos obriga levar em conta a operação em cascata e atender às exigências da ABNT NBR 5419, de proteção contra descarga atmosférica.
Os impactos na conceituação do projeto são enormes, para atendermos a estes novos desafios. Os projetos continuam a antecipar as futuras necessidades do usuário, como sempre foi na nossa área, mas agora com a velocidade das mudanças num ritmo alucinante. A chave é a rapidez de adaptação e a capacidade de estar ligado nestas mudanças, para um projeto de maior valor !
Luiz Olimpio Costi
Procion
Ago.18